Escutava-o, nítido.
E a poesia, latente,
Ficou entranhada.
Tornou-se apenas minha.
Sinto-a tão viva!
Frustra-me a sensação de não
poder compartilhá-la.
É o sentir poético do incomum,
O indizível da vida além vida,
O incontável mundo dos sonhos,
Um fazer poético egoísta.
Me desculpem aqueles que gostam
da minha poesia,
Desta vez, nem eu mesma sei
colocá-la em versos.
Intrínseca à alma, ela se guarda
aqui,
Quieta, solene, minha,
Mas só pra mim.
Pensamentos
em efusão. Envolvida, não ouvi os toques do celular. O número arquivado em chamadas
perdidas: Paolo.
Meu
padrasto querido. Foram seu jeito despreocupado e sua irresponsabilidade com a
própria vida, motivos que me levaram ao afastamento, mas o amo muito.
Saudade?
Curiosa... Retornei. Valeu a demora... O doce “Alô” do outro lado da linha, a
voz mansa de Paolo, me deixou emocionada.
-
Querida! Estou a te telefonar! O inventário dos bens da família de tua mãe está
por sair e tu tens de estar aqui, minha menina.
-
O quê? Impossível. Estou em greve na escola pública, mas dou aulas de projetos
vestibulares. Trabalhando muito nessas oportunidades que me apareceram. Não há
como sair do Brasil nesse momento. Quem sabe em janeiro.
-
Mas só a minha menina pode resolver questões burocráticas. Shakira e Eloah não
tinham outros dependentes, só Íris, e só Íris pode resolver tudo por aqui. A
casa, a marcenaria, o dinheiro do banco. Eu vivo na casa e trabalho na
marcenaria, mas tudo é teu! Não quero nada. O que há pode ajudar-te. Precisas
te organizar, vender se quiseres, mas tens de vir para cá e receber o que é
direito teu por herança.
Em
instantes toda minha vida como um filme... Recordações, saudades. Ficamos um
tempo conversando e, quando desliguei... Hora de resolver problemas!
Portugal
me chamava...
Pedi
a uma amiga que me substituísse nas aulas dos projetos e tomei as providências
necessárias para embarcar o mais rápido possível para a minha terrinha...
Coração
em ansiedade plena! Retornar ao recanto mágico da infância. O cheiro da vovó
entranhado na casa e em tudo. Ela era a casa. O ecoar do assobio do vovô. Ele
era a alegria da casa. A tristeza escondida, meiga e terna da minha mãe. Ela
era a minha essência.
No
baú que comprara em um brechó - junto a tantos outros objetos e móveis que venho
organizando, limpando, pintando -, o lenço. A foto...
A vela era o
início do presente preparado para o seu pai.
Na chácara,
quando vô Samuel fez 65 anos, uma festa alegrou família, parentes e amigos. Muita
música, comilança – meus avós sempre diziam que era melhor sobrar do que faltar
e acabavam exagerando e fazendo tanta coisa que parecia que todos da cidade
seriam convidados.
A dança cigana
foi um dos resgates culturais que, quando jovem, influenciada
por histórias sobre a vida cigana, contadas por Eloah que lhe dava força para não
desistir nas primeiras dificuldades, minha mãe retomou.
Após assoprar a
vela, pandeiros, leques e flores tomaram conta do espaço. O colorido das
rendas, dos bordados, das fitas presas às mãos. Xale nas costas, lenços na
cintura... Mãe Shakira, ao som de
violões, violinos e acordeom, dançou como nunca! Ia de um lado a outro,
encantava. Rodopiava. A saia rodada dançava com ela. As mãos e os braços em um
“dar e receber”, palma da mão à mostra para os convidados. Os braços se abriam,
como se abraçassem o mundo. Era som e
brilho, um espetáculo para o vô, homenagem a quem a fez uma mulher realizada.
Ficam a casa, os
trabalhos, a reforma... Estou embarcando para acertos de vida passada e futura.
Até breve.
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