Há coisas minhas guardadas na
casa de Eva...
Largo o pincel, abandono por instantes as
tintas, os rolos, a aguarrás... Penso nela. Penso em Eva Nigri, irmã do pai
adotivo de minha mãe! Pessoa que muito nos ajudou, reconheço, mas, até hoje,
através de seus comentários maliciosos a respeito da vida de Shak, me deixa com
uma sensação de obrigação emocional doentia pelo que fizera.
Eva era bem mais nova que meu vô Samuel.
Casada, com uma família bem estruturada e financeiramente equilibrada, primeiro
trouxe minha mãe e a ajudou muito. Shak
cursou a universidade de Belas Artes, se formou, mas trabalhou para a tia como forma
de colaborar nos trabalhos domésticos e poder garantir sua sobrevivência, já
que seus pais não podiam mantê-la aqui no Brasil.
Passado um tempo, Eva me trouxe, de certa
forma me afastando da tristeza em que se tornou a chácara lá em Portugal depois
das mortes subsequentes da vó Eloah e da minha mãe. Mas me separando também de
Paolo, meu padrasto, irmão dela que, ao se casar, deixou certa amargura na
família.
Volto aos pincéis... Não quero pensar nisso
porque não me faz bem. Traz-me a lembrança do preconceito enfrentado pelos dois,
o que vivenciei bem de perto aconchegada aos carinhos e encantos da minha vó
quem eu considerava como minha mãe de verdade.
Levanto e vou à janela. Lá vem a consciência
novamente atentando meu juízo: “Há um ano
resolveu sair da casa de Eva e ir morar sozinha, mas foi ela quem lhe deu a
oportunidade de estar nessa cidade e refazer sua vida”. Olhei para a lua
daquela noite calorenta...
Não poderia deixar de lado o que minha mente
acirrava e acendia naquele instante. Não havia como continuar vivendo em um
lugar em que os desentendimentos familiares iam se tornando mais frequentes e tanta
amargura guardada, todo aquele disse me disse rancoroso, nada mais fazia
sentido.
Cada um faz de sua vida o que considera bom
para sua vida. Concorda? E quem sou eu para julgar se o que Shak e Paolo escolheram
para eles teria sido bom ou ruim... Garanto que, mesmo distante, sabia que eles
eram felizes.
Não procuro Eva que também não me procura. Mas
tenho maior apreço pelo que fez e sei que preciso superar as barreiras da
vaidade e do orgulho para rever esse sentimento que, às vezes, me corrói e me
entristece, deixando-me ainda mais solitária do que já sou.
Prefiro, no momento, dizer-me só, assumindo a
solidão íntima que me acompanha desde que nasci.
O apartamento... Ah! Está quase todo pintado,
o chão eu limpo rapidinho... E é certo: nem muitas mobílias ocupam os vazios do
coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário