4 de julho de 2013

[407] Episódio 6: Édipo-Rei

Uma moça chamada Clarice um dia encontrou um rapaz de lindos olhos azuis e farda militar. Eu não sei vocês, mas eu sempre achei farda um negócio muito bonito. Imagino pessoas disciplinadas e inteligentes, não de uma inteligência matemática ou de saber de cor todas as capitais da América Latina, mas uma inteligência estratégica, de jogo de xadrez, de saber o próximo passo, o próximo pensamento. Eu via homens de farda e sentia que eles me sabiam antes mesmo de eu abrir a minha boca pra falar. Clarice era como eu. E Clarice deu pro cara.
Casaram por causa de uma gravidez conturbada. O cara fugiu logo para outro batalhão quando soube da criança, mas o pai de Clarice era um senhor muito, muito rico, caçou o infeliz até os infernos. Achou. Casaram. Nasceu Danilo.
Cada dia que passava, eu sabia que Danilo era eu e eu era Danilo. Nossos pais filhos da puta, nossas tristes histórias, nossos choros de chão de banheiro, tudo era tão igual e me assustava tanto e doía tanto. Doía porque eu via um espelho nos olhos de Danilo e cada lágrima que rolava na minha cara tinha uma irmã gêmea escorrendo na cara de Danilo. A gente tinha uma merda de dor e uma merda de vida muito iguais. A diferença é que Danilo, como eu disse, era muito rico.
O pai de Danilo, claro, rejeitou aquela barriga desde o primeiro dia. Clarice teve uma vida bem ruim, um casamento ruim. O marido bebia e a criança chorava. A criança chorava e o marido batia. Clarice chorava. Chorou até o dia em que usou a arma do marido para estourar os miolos.
Danilo tem um ódio mortal da polícia.

Claro que eu não sabia disso, enquanto esperava Danilo na porta do Edifício Cinza. Sentada na calçada, pensando ainda na garotinha que juntou as minhas guimbas no chão, avistei o meu menino chegando. Mas tinha um ar estranho. E ia ficando cada vez mais estranho, a medida que se aproximava. Estava quase duas horas atrasado, tudo bem, quer dizer, tudo bem o cacete, mas vá lá, não é motivo pra chegar branco daquele jeito. Na minha frente, Danilo explicou.
E confesso que até agora não consegui acreditar.
Meu menino matou um homem.

Talvez não tenha mencionado, mas Danilo não mora perto. Vi na TV da padaria que a cidade andava meio que num clima de guerra, mas pra mim tanto faz, eu vivia em clima de guerra e nem por isso eu passava nas TVs das padarias. Eu não tinha um celular ou um telefone ou qualquer outra forma de contato, então era eu que ligava pra Danilo com meus cartões de 20 unidades. Geralmente, ele vinha às quintas-feiras. Era quinta-feira. Ele veio. Ensanguentado dos pés à cabeça.

Era a guerra, então. Tinha chegado, mas eu não sabia nem que lado eu ficava. Só sabia que mataria qualquer um que machucasse Danilo. Mas ele se adiantou.

Estou cansada agora e a luz aqui da cela é muito fraca, mas tudo o que eu posso adiantar é que, pelo que eu entendi, por causa de 0,20 centavos, Danilo matou um homem.

Danilo vingou Clarice.

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