Começou a beber com gelo e
tônica, mas, no final, já bebia puro e sem nada. Fez por insistência da
televisão:
Por que todas as bêbadas da televisão brasileira bebem gim? E tônica?
Quem bebe tônica? Isso lá é coisa de Brasil? Brasileiro nem cachaça toma mais.
Brasileiro tá russo, bebe vodca. Brasileiro tá ruço. A coisa tá assim: as
senhoras abandonadas, o tomate disparando e o governo nem aí, com desculpinha.
E as domésticas conquistando seus direitos. Não quero rogar praga, mas dou meio
ano e tá valendo mais a pena trabalhar em troca de casa e comida. Bem tá o
mendigo, ganhando um prato. Qualquer hora vale mais que a minha aposentadoria.
Mais um copo desses, e saio por aí pedindo também, nem que seja um pouco de
atenção. Mas não, a velha não é direta. A velha resmunga sozinha, embriagada, nonsense pela casa, sem ninguém ouvir. Quando pode
ser ouvida, quando vai levar a algum lugar, tem medo. Carrega um monte de
melancia, mas não pergunta nada. Todos esses anos na cara, bem poucos pela
frente, e nem para se fazer de louca e matar a curiosidade. Ninguém vai julgar
mesmo: tadinha, tá velha. Senil. Caducou. E se chegar nos ouvidos da família e
não me deixarem mais morar sozinha? Aqui, ó, para eles. Sempre fiquei
abandonada e vão querer me tirar daqui se eu caducar? Não mesmo. Aí que eu vou
começar a me divertir. Botar fogo na casa. Mais de setenta anos certinha me
deixaram sozinha. Tanta coisa que não aproveitei e hoje virei um nada, covarde,
parada, uma velha trocando as palavras e trançando as pernas bebendo uma coisa
ruim porque viu na tevê. Nan, you’re a window shopper. Sempre olhei e nunca comprei. É hora de tomar cachaça, tocar todos os
interfones, perguntar tudo que quero saber, ligar e mandar todos à merda e
dizer que não, não vou deixar minha casa e que estou muito bem sozinha. Chega
disso.
Saiu de casa. Na calçada,
tropeçou nas próprias pernas. Caiu. A poça de sangue começou a aumentar ao
redor da cabeça.
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