17 de abril de 2013

[106] Episódio 5 - The bottom feels so much better than the top.


Começou a beber com gelo e tônica, mas, no final, já bebia puro e sem nada. Fez por insistência da televisão:

Por que todas as bêbadas da televisão brasileira bebem gim? E tônica? Quem bebe tônica? Isso lá é coisa de Brasil? Brasileiro nem cachaça toma mais. Brasileiro tá russo, bebe vodca. Brasileiro tá ruço. A coisa tá assim: as senhoras abandonadas, o tomate disparando e o governo nem aí, com desculpinha. E as domésticas conquistando seus direitos. Não quero rogar praga, mas dou meio ano e tá valendo mais a pena trabalhar em troca de casa e comida. Bem tá o mendigo, ganhando um prato. Qualquer hora vale mais que a minha aposentadoria. Mais um copo desses, e saio por aí pedindo também, nem que seja um pouco de atenção. Mas não, a velha não é direta. A velha resmunga sozinha, embriagada, nonsense pela casa, sem ninguém ouvir. Quando pode ser ouvida, quando vai levar a algum lugar, tem medo. Carrega um monte de melancia, mas não pergunta nada. Todos esses anos na cara, bem poucos pela frente, e nem para se fazer de louca e matar a curiosidade. Ninguém vai julgar mesmo: tadinha, tá velha. Senil. Caducou. E se chegar nos ouvidos da família e não me deixarem mais morar sozinha? Aqui, ó, para eles. Sempre fiquei abandonada e vão querer me tirar daqui se eu caducar? Não mesmo. Aí que eu vou começar a me divertir. Botar fogo na casa. Mais de setenta anos certinha me deixaram sozinha. Tanta coisa que não aproveitei e hoje virei um nada, covarde, parada, uma velha trocando as palavras e trançando as pernas bebendo uma coisa ruim porque viu na tevê. Nan, you’re a window shopper. Sempre olhei e nunca comprei. É hora de tomar cachaça, tocar todos os interfones, perguntar tudo que quero saber, ligar e mandar todos à merda e dizer que não, não vou deixar minha casa e que estou muito bem sozinha. Chega disso.

Saiu de casa. Na calçada, tropeçou nas próprias pernas. Caiu. A poça de sangue começou a aumentar ao redor da cabeça.

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