Oboé, oboé d’amore, corne inglês e 2 clarinetes
Primeiro vem a dor na cabeça, uma dor terrível de alguém que levou uma
pancada na cabeça. Logo em seguida os barulhos alcançam os ouvidos, e
perturbam, são tantos e de todas as direções e de todos os tipos: gemidos, apitos, berros, batidas, lamentações. Em seguida abrem-se os olhos, que sem foco tentar
enxergar o que há naquele lugar. Logo os olhos recuperam-se, e as luzes se
transformam em imagens. Célio observa ao seu redor jovens enfermeiras correndo
com gazes, ataduras e frascos de remédios. Ele se curva na mesa e consegue olhar
seu corpo por inteiro; onde antes estava o uniforme sujo da lama e rasgado,
agora via-se ataduras brancas com grandes manchas de sangue, cobrindo seu
corpo, e voltas e mais voltas tentando estancar o sangue, que algumas horas
antes escorria pela sua perna; perna que também era cortada por grandes pedaços
de curativos brancos empapuçados em um liquido negro de odor forte e marcante.
Primeiro veio a dor no braço, uma dor aguda e pulsante que fez com que
ele soltasse os primeiros gemidos de dor. Logo veio a dor na cabeça, uma dor
terrível e latejante que corria por toda sua cabeça e terminava na testa,
inchando por completo sua têmpora. Logo vieram os sons, eram sons baixos
abafados pelas pesadas cortinas e pelas janelas de vidro duplo, em seguida o
frio, frio cortante da saída de ar que ficava a poucos centímetros da cama; por
fim os olhos se abriram, as imagens contorcidas foram se ajeitando se
organizando, e logo a imagem das paredes brancas se completaram, Célio olhou ao
redor e logo viu um assustado e dorminhoco menino da padaria.
Trombone
- Onde estou?
- Quem sou eu?
- Como assim?
- Brincadeira seu Célio, é que nos filmes todo mundo acorda dizendo
isso, depois de perder os sentidos.
- E eu perdi os sentidos?
- Sim perdeu, o senhor desmaiou na praça, todos ficaram a apavorados
- Todos quem meu rapaz?
- Todos que estavam lá, inclusive vizinhos do senhor que passavam pela
praça no momento.
- Sei, meus vizinhos, não sei de vizinho nenhum que pareça gente boa;
inclusive meu rapaz tem um lá que vive fuçando as minhas lixeiras, ele pensa
que eu não vejo, mas eu já vi sim, sujeitinho esquisito.
- Poxa, o senhor tem até um vizinho padre, uma pessoa de Deus, como o
senhor pode pensar assim.
- Pessoa de Deus né? Não sei, tenho minhas dúvidas.
- O servo do Senhor seu Célio, não fale assim, aprendi na minha vida que
falar essas coisas dos servos do Senhor é pecado.
- Vida? Pecado? Hora, não seja insolente! Não me diga nada sobre a vive,
não se esqueça que eu já vivi o suficiente para saber pra que ela serve.
- Eu sei seu Célio, mas ainda assim, não fale desta forma; e já que o
senhor tocou no assunto, me responda, afinal, pra que serve a vida?
- Não vou dizer.
- Por quê?
- Não vou estragar a surpresa, meu jovem! Mas, entenda uma coisa, pecar
é viver a vida sem pecar; eu peco, tu vigias, eles invejam; veja que conjugar o
verbo pecar é viver.
- Não faz sentido isso seu Célio.
- Faça-me agora um favor, peça um calmante para a enfermeira.
- O senhor acabou de acordar, por que tomar remédios para dormir?
- Não quero tomar os remédios.
- Então por que o senhor quer pedir os remédios?
- Pra você tomar, meu jovem!
Os dois pararam e começaram a rir da situação. Os risos foram quebrados
com a entrada de uma senhora de cabelos brancos, vestido azul longo, sapatos azuis
escuros, bolsa preta, e grandes olhos verdes regados por uma singela lágrima
que escorria no canto do seu olho. Célio observa a mulher parada na porta e
diz:
- Olá dor.
- Por que amor? Ela responde.
- Se sem calor por que amor?
- Se só da dor por que calor? Ela pergunta.
- Se sem calor, se és amor, por que horror? Sente-se dor.
O rapaz da padaria se despede e promete voltar no dia seguinte, para
ajudar o velho a voltar para casa. Ele sai e deixa os dois sozinhos.
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