18 de fevereiro de 2013

[403] Episódio 4: Com...paixão!


“Quando a gente acha que tem todas as respostas,
vem a vida e muda todas as perguntas.” (desconheço a autoria)

Mirella recebeu Luis com um sorriso no rosto.

Se lhe valiam de alguma coisa seus anos de experiência, uma delas era a de que um sorriso sempre cai bem quando não se sabe o que falar.  A angústia que lhe assombrava por desconhecer parte da vida daquele homem que tanto a encantara não era maior do que a paixão que a consumia.

O almoço foi tranquilo. Falaram trivialidades.

Luis é daquele tipo de cara que faz e sabe de tudo. Conserta desde cadeira que range por conta de um pé torto até máquina de lavar. Mirella não sabia se ele o fazia por curiosidade ou por economia. Afinal, em que Luis trabalhava ainda era um mistério para ela. Além de todas essas proezas domésticas, ele ainda se metia a dar palpites na decoração. Isso sem mencionar que tinha sempre algo de sugestivo a pronunciar.

Algumas vezes esse jeitinho muito moldado e prestativo a irritava. Por outras, ela relevava.

Terminado o almoço ele levantou-se, retirando algumas peças que estavam sobre a mesa, e se dirigiu à cozinha pondo-se a lavar as louças. Mirella o acompanhou nessa tarefa enquanto tentava imaginar o que Luis teria de tão importante para lhe falar. Não ousou tocar no assunto já que ele mesmo ainda nem sequer o havia feito. Como disse, falavam de banalidades do dia a dia.

- Vou fumar um cigarro!

Dito isto, ele seguiu em direção à sala. Puxou um cigarro do maço que carregava no bolso da camisa e debruçou-se, apoiado sobre seus cotovelos, no mármore frio que cobria o parapeito da janela. Com um olhar fixo no horizonte, acendeu seu vício e displicentemente soltou longas baforadas. Parecia buscar coragem naquele gesto corriqueiro. Mirella, da cozinha, espreitava-o, pela fresta da porta, silenciosamente absorvida em seus pensamentos angustiantes.

Foi Luis que quebrou o silêncio:

- Deixa isso aí e vem aqui, criança.

Mirella odiava quando ele a tratava assim. Sentia-se imbecilizada.

- Luis, por favor!

Luis assentiu com a cabeça num gesto de desculpas e, puxando-a pelas mãos, sugeriu que se sentassem no sofá. O ar da casa era uma mistura de cheiros entre cigarro, comida e mistério. Luis estava sério e, arranhando a garganta num pigarro típico de fumantes, encarou-a para, logo em seguida, baixar a cabeça e romper em um choro sentido.

Sem entender nada do que acontecia ali, Mirella instintivamente segurou o rosto dele com carinho e falou calmamente:

- Luis o que o está acontecendo? O que o incomoda tanto?

Tentando prender o choro e recuperando o equilíbrio, ele desabafou:

- Mirella, durante todo este tempo em que estivemos juntos, tenho sido o homem mais feliz do mundo e justamente por estar me sentindo assim e por perceber o quanto a estou envolvendo, preciso que saiba um pouco mais sobre minha vida. Sofro todos os dias pensando como você reagirá depois de tudo que revelar aqui. Será que ainda vai me querer? Será que vai conseguir entender meu sofrimento? O que vou te contar é sério demais.

- Pelo amor de Deus, não me diga que é casado?

Luis negou.

- Bandido?

Luis não conteve um sorriso sem jeito e negou novamente.

- É algum problema tipo... você sabe... essas coisas de disfunção, no homem? Porque se for, a gente...

Dessa vez ele nem a deixou terminar a frase, achou graça de novo e meneou negativamente a cabeça.

- Se não é nada disso então o que pode ser tão sério assim Luis?

E, rompendo novamente em soluços, Luis revelou a Mirella que tinha AIDS!

Relatou tudo desde o início: a descoberta da doença, de que forma a contraíra, as pessoas envolvidas, que, possivelmente, sem saber, contaminara. Como fora desenganado pelos médicos e o sofrimento de sua mãe, levando-o para casa com um prognóstico de que morreria em quatro meses. Contou sobre sua luta contra o tempo e os preconceitos e que depois de mais de 11 anos vencera seus próprios medos e angústias, desafiando a vida e a medicina. Calou-se.

Mirella ouvia a tudo perplexa.

O chão se abriu. Um redemoinho alcançou sua mente. Pareceu uma eternidade entre ouvir aquela confissão e reagir a ela. Um turbilhão de pensamentos e emoções a invadiu. Sem conseguir raciocinar direito, a única reação que teve foi de abraçar aquele homem que, em segundos, tornara-se um menino. Uma dose cavalar de compaixão a invadiu. Ficou abraçada a ele, em silêncio, sem conseguir encará-lo. Na verdade não sabia o que dizer e foi então que sorriu:

- Sabe Luis, de repente a nossa relação pode até terminar por qualquer motivo tosco, mas tenha certeza de que jamais por causa de sua doença!

Luis então, comovido, beijou-a ternamente.

Nada o poderia fazer mais feliz do que aquela frase dita de um modo tão natural. Recuperando sua confiança, envolveu-a em seus braços e a carregou para o quarto.

Naquela tarde, todas as dúvidas de Mirella seriam respondidas.



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