“Quando a gente acha que tem todas as respostas,
vem a vida e muda todas as perguntas.” (desconheço a autoria)
Mirella
recebeu Luis com um sorriso no rosto.
Se
lhe valiam de alguma coisa seus anos de experiência, uma delas era a de que um
sorriso sempre cai bem quando não se sabe o que falar. A angústia que lhe assombrava por desconhecer
parte da vida daquele homem que tanto a encantara não era maior do que a paixão
que a consumia.
O
almoço foi tranquilo. Falaram trivialidades.
Luis
é daquele tipo de cara que faz e sabe de tudo. Conserta desde cadeira que range
por conta de um pé torto até máquina de lavar. Mirella não sabia se ele o fazia
por curiosidade ou por economia. Afinal, em que Luis trabalhava ainda era um
mistério para ela. Além de todas essas proezas domésticas, ele ainda se metia a
dar palpites na decoração. Isso sem mencionar que tinha sempre algo de
sugestivo a pronunciar.
Algumas
vezes esse jeitinho muito moldado e prestativo a irritava. Por outras, ela
relevava.
Terminado
o almoço ele levantou-se, retirando algumas peças que estavam sobre a mesa, e se
dirigiu à cozinha pondo-se a lavar as louças. Mirella o acompanhou nessa tarefa
enquanto tentava imaginar o que Luis teria de tão importante para lhe falar.
Não ousou tocar no assunto já que ele mesmo ainda nem sequer o havia feito. Como
disse, falavam de banalidades do dia a dia.
- Vou fumar um cigarro!
Dito
isto, ele seguiu em direção à sala. Puxou um cigarro do maço que carregava no
bolso da camisa e debruçou-se, apoiado sobre seus cotovelos, no mármore frio
que cobria o parapeito da janela. Com um olhar fixo no horizonte, acendeu seu
vício e displicentemente soltou longas baforadas. Parecia buscar coragem
naquele gesto corriqueiro. Mirella, da cozinha, espreitava-o, pela fresta da
porta, silenciosamente absorvida em seus pensamentos angustiantes.
Foi
Luis que quebrou o silêncio:
- Deixa isso aí e vem aqui, criança.
Mirella
odiava quando ele a tratava assim. Sentia-se imbecilizada.
- Luis, por favor!
Luis
assentiu com a cabeça num gesto de desculpas e, puxando-a pelas mãos, sugeriu que
se sentassem no sofá. O ar da casa era uma mistura de cheiros entre cigarro,
comida e mistério. Luis estava sério e, arranhando a garganta num pigarro típico
de fumantes, encarou-a para, logo em seguida, baixar a cabeça e romper em um choro
sentido.
Sem
entender nada do que acontecia ali, Mirella instintivamente segurou o rosto dele
com carinho e falou calmamente:
- Luis o que o está acontecendo? O que o incomoda tanto?
Tentando
prender o choro e recuperando o equilíbrio, ele desabafou:
- Mirella, durante todo este tempo em que estivemos juntos, tenho sido o homem
mais feliz do mundo e justamente por estar me sentindo assim e por perceber o
quanto a estou envolvendo, preciso que saiba um pouco mais sobre minha vida.
Sofro todos os dias pensando como você reagirá depois de tudo que revelar aqui.
Será que ainda vai me querer? Será que vai conseguir entender meu sofrimento? O
que vou te contar é sério demais.
- Pelo amor de Deus, não me diga que é casado?
Luis
negou.
- Bandido?
Luis
não conteve um sorriso sem jeito e negou novamente.
- É algum problema tipo... você sabe... essas coisas de disfunção, no homem?
Porque se for, a gente...
Dessa
vez ele nem a deixou terminar a frase, achou graça de novo e meneou negativamente a cabeça.
- Se não é nada disso então o que pode ser tão sério assim Luis?
E, rompendo novamente em soluços, Luis revelou a Mirella que tinha AIDS!
Relatou
tudo desde o início: a descoberta da doença, de que forma a contraíra, as
pessoas envolvidas, que, possivelmente, sem saber, contaminara. Como fora
desenganado pelos médicos e o sofrimento de sua mãe, levando-o para casa com um
prognóstico de que morreria em quatro meses. Contou sobre sua luta contra o
tempo e os preconceitos e que depois de mais de 11 anos vencera seus próprios
medos e angústias, desafiando a vida e a medicina.
Calou-se.
Mirella
ouvia a tudo perplexa.
- Sabe Luis, de repente a nossa relação pode até terminar por qualquer motivo
tosco, mas tenha certeza de que jamais por causa de sua doença!
Luis
então, comovido, beijou-a ternamente.
Nada
o poderia fazer mais feliz do que aquela frase dita de um modo tão natural. Recuperando
sua confiança, envolveu-a em seus braços e a carregou para o quarto.
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