"O que me mata é o cotidiano. Eu queria só exceções." (Clarice Lispector)
O relógio a despertou
às 6h45. Com o corpo ainda amassado da noite mal dormida rolou na
cama por alguns segundos.Tentou voltar a dormir. A consciência sussurrava ao
seu ouvido palavras de responsabilidade chamando-a aos deveres daquele dia.Só
mais alguns segundinhos, pensou. O sol da manhã entrava pelas frestas da
persiana, que propositadamente ficavam entreabertas. Gostava de sentir aquele
calorzinho em sua pele. A cama ficava posicionada de tal forma que captava toda
energia solar e isso a fazia sentir que tinha luz naquele ambiente triste.
Novamente o som irritadiço do despertador, máquina infernal, avisando que já
era tempo de parar de sonhar. O que fazer então senão sair daquele abraço
aconchegante de seus lençóis e encarar mais um dia!
Levantou-se
cambaleante, a camisola desfeita deixava cair uma de suas alças, desnudando seus
seios, e, ao olhar-se no espelho, viu-se mulher. Uma mulher bonita, simples,
madura! Lembrou-se de sua adolescência e de tempos perdidos em choros e
lamentações por causa de gordurinhas a mais que só existiam na ficção e na sua
mente doentia em busca de um corpo perfeito. Sorriu! Quanta futilidade, pensou.
Consolou-se com a ideia de que adolescer é isso também! Suspirou aliviada ao
reconhecer naquela imagem uma mulher refeita, recompensada e reeditada. Passou
ilesa daquela fase, apesar de ainda sentir que perde tempo demais com
gordurinhas imaginárias. Sorriu novamente. Abriu o chuveiro e deixou que a água
morna massageasse seu corpo, trazendo-lhe um sentimento de prazer reconfortante.
Hoje seria mais um dia e que dia!
Enquanto
se banhava, sua mente parecia um filme em alta rotação; vinham pensamentos
confusos e inquietantes que a atormentavam! Queria relaxar, mas seria
impossível naquele instante! Por que os erros que cometemos são tão
significativos ao ponto de transformarem palavras e quebrarem silêncios
escondidos?! Como gostaria de poder rebobinar o filme da minha vida e consertar
certos episódios, editando-os, como se fossem fitas. Simples rolos de fitas os
quais podemos recortar e recompor a nosso bel prazer! No instante que fazia
essas reflexões recuperava seu bom humor ao perceber que esses pensamentos eram
tão comuns ao ser humano, afinal quem não gostaria de ter essa chance? Sacudiu
o cabelo, enrolou-se na toalha, limpou com sua mão o espelho embaçado e ficou
ali, paralisada por alguns instantes, vendo seu rosto refletido, no qual
algumas ruguinhas começavam a aparecer! Num gesto caricato sacudiu novamente a
cabeça como se quisesse afastar tais pensamentos e quem sabe, de quebra, as
ditas ruguinhas! Fitou-se novamente e percebeu que as benditas ainda estavam
lá. Sorriu mais uma vez. Sorrir era uma marca em sua personalidade, como que,
por magia, o sorriso a fizesse mudar por instantes alguma situação
desagradável! Suspirou! Penteando os longos cabelos, voltou a se absorver em
seus pensamentos. Agora não via mais sua imagem refletida, era como se tudo
ficasse embaçado novamente e seus pensamentos ganhassem voz. Será que estou
arrependida de algo que fiz? Acho que não! Há não ser daquilo que possa ter
sido motivo de mágoa para alguém! Talvez me arrependa de ter dito tantos
"sins" quando na verdade, queria ter dito "Não" e, com isso, ter poupado tantos momentos indigestos. Esse deve ser o motivo de suas azias.
O
telefone tocou!
Despertou
de seus devaneios e correu para atender a chamada.
O caminho
entre o banheiro e o telefone parecia eterno. Muitas sensações a acometeram e
pensamentos dos mais variados relampejaram pela sua cabeça. Apenas uma razão a
fazia correr para atender aquela chamada: Luis. Conheceu-o através da internet
de uma forma inesperada. Estava acostumada a sites de relacionamentos e já
havia até saído com alguns homens que conhecera através deles. Nada diferente e
acabou se distanciando um pouco dos mesmos. Só que dessa vez foi incomum;
recebeu um e-mail que lhe despertou curiosidade e o respondeu. Não tinha por
hábito ler e-mails de desconhecidos, mas aquele era diferente, algo lhe chamou a
atenção e resolveu responder para conhecer seu portador. Era uma mensagem
particular e ela achou que deveria reencaminhá-la. Foi o suficiente para que as
conversas dessem continuidade pelo msn. Fazia tempo que as coisas andavam
mornas para seu lado, nada acontecia, seu relacionamento atual andava sem
graça. Quando Luis surgiu vislumbrou uma imensa sensação de liberdade! Porém,
aqueles encontros tão esperados não aconteceram. Por algum motivo que ainda
desconhece, não teve mais notícias de Luis. Eles mantinham contato só no
virtual, apesar de morarem na mesma cidade! Na última vez que se falaram, Luis
insistiu que lhe desse o número de seu telefone, e, apesar dela relutar muito, acabou cedendo. Desde então passou a guardar enorme ansiedade quando ouvia o
tilintar daquele aparelhinho!Eis a única e ansiosa razão que a levou a sair de
seus devaneios matinais e correr para o telefone!
- Alô!
ouviu o silêncio... um breve espaço de tempo para ouvir a resposta que mais
parecia uma eternidade!
- Oi...
silêncio reticente. Uma voz já conhecida e nada animadora respondeu do outro
lado. Toda energia se dissipou. O céu voltou a ficar cinza, o espelho do
banheiro voltou a embaçar e sua resposta foi apenas cordial. Trocaram algumas
informações necessárias, do tipo tá tudo bem sim, e fim. Ponto. Nada mais.
Triste, pensou. O que faz com que uma mulher fique empurrando um
relacionamento, quando este já está a beira do naufrágio?! O que a leva a ficar
nesse banho maria, nessa mesmice, se enterrando e escondendo quando a vida lá
fora pulsa?! Sei lá, respondeu para si mesma. Provavelmente um pouco de medo, insegurança,
acomodação... suspirou! Tudo poderia mudar se a voz ao telefone fosse outra!
Ajeitou os cabelos, bebericou um café, comeu uma torrada, voltou ao espelho,
agora desembaçado, escovou os dentes, salpicou um batom, pegou a bolsa e as
chaves do carro e se despediu daquele dia. Foi ao encontro de sua rotina
tentando esquecer suas divagações.
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