17 de janeiro de 2013

[403] Episódio piloto: Cotidiano




"O que me mata é o cotidiano. Eu queria só exceções." (Clarice Lispector)



O relógio a despertou às 6h45. Com o corpo ainda amassado da noite mal dormida rolou na cama por alguns segundos.Tentou voltar a dormir. A consciência sussurrava ao seu ouvido palavras de responsabilidade chamando-a aos deveres daquele dia.Só mais alguns segundinhos, pensou. O sol da manhã entrava pelas frestas da persiana, que propositadamente ficavam entreabertas. Gostava de sentir aquele calorzinho em sua pele. A cama ficava posicionada de tal forma que captava toda energia solar e isso a fazia sentir que tinha luz naquele ambiente triste. Novamente o som irritadiço do despertador, máquina infernal, avisando que já era tempo de parar de sonhar. O que fazer então senão sair daquele abraço aconchegante de seus lençóis e encarar mais um dia!

Levantou-se cambaleante, a camisola desfeita deixava cair uma de suas alças, desnudando seus seios, e, ao olhar-se no espelho, viu-se mulher. Uma mulher bonita, simples, madura! Lembrou-se de sua adolescência e de tempos perdidos em choros e lamentações por causa de gordurinhas a mais que só existiam na ficção e na sua mente doentia em busca de um corpo perfeito. Sorriu! Quanta futilidade, pensou. Consolou-se com a ideia de que adolescer é isso também! Suspirou aliviada ao reconhecer naquela imagem uma mulher refeita, recompensada e reeditada. Passou ilesa daquela fase, apesar de ainda sentir que perde tempo demais com gordurinhas imaginárias. Sorriu novamente. Abriu o chuveiro e deixou que a água morna massageasse seu corpo, trazendo-lhe um sentimento de prazer reconfortante. Hoje seria mais um dia e que dia!


Enquanto se banhava, sua mente parecia um filme em alta rotação; vinham pensamentos confusos e inquietantes que a atormentavam! Queria relaxar, mas seria impossível naquele instante! Por que os erros que cometemos são tão significativos ao ponto de transformarem palavras e quebrarem silêncios escondidos?! Como gostaria de poder rebobinar o filme da minha vida e consertar certos episódios, editando-os, como se fossem fitas. Simples rolos de fitas os quais podemos recortar e recompor a nosso bel prazer! No instante que fazia essas reflexões recuperava seu bom humor ao perceber que esses pensamentos eram tão comuns ao ser humano, afinal quem não gostaria de ter essa chance? Sacudiu o cabelo, enrolou-se na toalha, limpou com sua mão o espelho embaçado e ficou ali, paralisada por alguns instantes, vendo seu rosto refletido, no qual algumas ruguinhas começavam a aparecer! Num gesto caricato sacudiu novamente a cabeça como se quisesse afastar tais pensamentos e quem sabe, de quebra, as ditas ruguinhas! Fitou-se novamente e percebeu que as benditas ainda estavam lá. Sorriu mais uma vez. Sorrir era uma marca em sua personalidade, como que, por magia, o sorriso a fizesse mudar por instantes alguma situação desagradável! Suspirou! Penteando os longos cabelos, voltou a se absorver em seus pensamentos. Agora não via mais sua imagem refletida, era como se tudo ficasse embaçado novamente e seus pensamentos ganhassem voz. Será que estou arrependida de algo que fiz? Acho que não! Há não ser daquilo que possa ter sido motivo de mágoa para alguém! Talvez me arrependa de ter dito tantos "sins" quando na verdade, queria ter dito "Não" e, com isso, ter poupado tantos momentos indigestos. Esse deve ser o motivo de suas azias.

O telefone tocou!

Despertou de seus devaneios e correu para atender a chamada.


O caminho entre o banheiro e o telefone parecia eterno. Muitas sensações a acometeram e pensamentos dos mais variados relampejaram pela sua cabeça. Apenas uma razão a fazia correr para atender aquela chamada: Luis. Conheceu-o através da internet de uma forma inesperada. Estava acostumada a sites de relacionamentos e já havia até saído com alguns homens que conhecera através deles. Nada diferente e acabou se distanciando um pouco dos mesmos. Só que dessa vez foi incomum; recebeu um e-mail que lhe despertou curiosidade e o respondeu. Não tinha por hábito ler e-mails de desconhecidos, mas aquele era diferente, algo lhe chamou a atenção e resolveu responder para conhecer seu portador. Era uma mensagem particular e ela achou que deveria reencaminhá-la. Foi o suficiente para que as conversas dessem continuidade pelo msn. Fazia tempo que as coisas andavam mornas para seu lado, nada acontecia, seu relacionamento atual andava sem graça. Quando Luis surgiu vislumbrou uma imensa sensação de liberdade! Porém, aqueles encontros tão esperados não aconteceram. Por algum motivo que ainda desconhece, não teve mais notícias de Luis. Eles mantinham contato só no virtual, apesar de morarem na mesma cidade! Na última vez que se falaram, Luis insistiu que lhe desse o número de seu telefone, e, apesar dela relutar muito, acabou cedendo. Desde então passou a guardar enorme ansiedade quando ouvia o tilintar daquele aparelhinho!Eis a única e ansiosa razão que a levou a sair de seus devaneios matinais e correr para o telefone!


- Alô! ouviu o silêncio... um breve espaço de tempo para ouvir a resposta que mais parecia uma eternidade!


- Oi... silêncio reticente. Uma voz já conhecida e nada animadora respondeu do outro lado. Toda energia se dissipou. O céu voltou a ficar cinza, o espelho do banheiro voltou a embaçar e sua resposta foi apenas cordial. Trocaram algumas informações necessárias, do tipo tá tudo bem sim, e fim. Ponto. Nada mais. Triste, pensou. O que faz com que uma mulher fique empurrando um relacionamento, quando este já está a beira do naufrágio?! O que a leva a ficar nesse banho maria, nessa mesmice, se enterrando e escondendo quando a vida lá fora pulsa?! Sei lá, respondeu para si mesma. Provavelmente um pouco de medo, insegurança, acomodação... suspirou! Tudo poderia mudar se a voz ao telefone fosse outra! Ajeitou os cabelos, bebericou um café, comeu uma torrada, voltou ao espelho, agora desembaçado, escovou os dentes, salpicou um batom, pegou a bolsa e as chaves do carro e se despediu daquele dia. Foi ao encontro de sua rotina tentando esquecer suas divagações.


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